Não canto de noite porque no meu canto do fundo escuro da casa, Nem sei quando é noite ou se é dia, Ou quando acaba esta e começa o outro. Não surpreendo o sonho porque durmo de dia, Acordando de quando em vez, Enquanto na noite permaneço acordado, Dormindo apenas enquanto ele se revela em sonho E me vela deitado e ao meu lado. (imagino eu)
Por outro lado, se canto a ilusão, Ela me reduz no tamanho, a uma azeitona preta
E acabo perdido num universo escurecido e frio, Num oceano alheio de estrelas.
Também não canto o dia, No meu canto o raio da luz acaba entrando mas por tempo curto
Porque no meu canto não toco nas barbas dos céus E em nada mais que não seja escuridão.
Não importa o tempo que faz lá fora, Nem se chove, nem a hora do dia,
Eu o reinvento no sonho e no facto d’ele projectar a irrealidade.
E no que sonhou o tempo? Sonhou o que seria eu sem o incontrolável futuro e num ínfimo momento,
Sonhou Tristão e Isolda, o magnífico mago Merlin, Sonhou a Ordem da Rosa e a Rosa de Luxemburgo,
Sonhou a noite e a luz do dia, a música, sonhou a obscuridade dos castelos, O som da chuva na floresta, sonhou a guerra de Tróia, As palavras, sonhou o livre pensamento, o arquétipo da Atlântida,
Os números primos, sonhou o rosto de Deus, a cor branca dos seus cabelos, Sonhou o próprio Deus depois. Depois sonhou-me vazio, Num despropósito abandonado por Ele, mas antes sonhou que haveria de reescrever d’outro modo “paixão”, Haveria de repensar o facto da existência da luz negra no espaço.
(Sou um objecto quase acabado, mas sem ardor, Morrendo na sua bancada de trabalho)
Não importa o que sonhe o tempo, continuarei vencendo insónias E sonhando num amanhecer que não me convence Porque não é igual à madrugada em pérola do meu sonho e ainda não ouvi o toque Que proclama a alvorada e o fim do pesadelo.
No meu quarto o raio de luz, é obstinado E não atravessa a cortina de veludo negro, Se reclamo, na penumbra ele se perturba E me abandona definitivamente no recanto negro da sala.
E quem sonhou o Amor?
Nem sei se o amor será, (como dizem) um filósofo desempregado, Sonhando corações com rendas e flechas, De preferência desabitados e pouco usados. Quem o terá sonhado?
Tristão e Isola sonharam o amor, A Rosa de Luxemburgo não sei mesmo se amou mas talvez tenha amado
Nas reuniões do partido assim como “La Pasionária” do comité-cental,Ela terá inventado talvez a paixão como um estado de alma revolucionário Ou Florbela Espanca ainda assim inventado a solidão apaixonada do Alentejo E inflamada pelo ardente sol do meio-dia.
E quem a inventou a paixão?
Que o tempo esmorece e o sonho frio de novo reacende Nos lumes das madrugadas em tons de pérola!?
Quem a inventou? Eu não, não canto a Paixão nem o Amor, Porque neste canto a paixão (p‘ra mim) não conta, É como o raio da luz que entra pela porta, cedo, E logo se vai sem deixar rasto, se esvai como mistério para uma outra dimensão negra do espaço-tempo.
“Não canto a noite porque no meu canto, O sol que canto acabará em noite.”
Quem inventou o AMOR, doía-lhe apenas no desejo,
Até agora doía-me apenas o desejo, Como tudo o mais, mas noutra parte do corpo, por vezes doí-me a alma e o desejo no que digo e não chega nem a bom porto, nem a porto algum, de modo que me limitarei aqui ao desejo de falar comigo "patati-patata" , continuarei contudo a escrever como um diário intimo, (quem quiser que leia, agora ou em algum dia), ele é público e poderá servir de antídoto para outras dores doutras pessoas,em alguma parte do corpo, espero que passem estas minhas dores d'alma , pois que são tão intrínsecas, mas tão obstinadas, como as miragens,(só existem na minha febril imaginação).
Sinto-me sazonalmente nu e cru, como um tronco sem folhas no inverno ou árvore d'folhas caducas e as palavras não cobrem a vergonha que sinto, por não me crescerem na parte cinzenta da casca, grossa e feia.
Desejava viver mas doía-me o desejo, agora dói-me a alma.
Não consigo viver escrevendo por menos, e menos ainda sei viver se não escrever diariamente pelo menos, mas é como respirar numa casa mortuária, penso que sou o único que aqui, ainda respira e, quando olho para o lado, estou só e numa enorme cripta com imensas arcas de zinco,agora me lembro porque tanto gostava de Franz Kafka, era dele este imaginário também e que eu devorava quando era criança,lembro-me da "Metamorfose" quando o insecto era cem vezes maior que o normal e o perseguia, ou do "Castelo" e a impossibilidade do "Agrimensor" subir até a porta da fortaleza. Eu,por meu lado acabo sem ter força para tentar "beijar"o "meu público",os púlpitos são muito altos para mim (sou de pouca estatura e menor estrutura descritiva) ou então, na plateia não entendem o meu "linguarejar",(nunca entenderão, todavia).
Portanto aqui estou no fundo desta sala cor-de-salmão, com espelhos, imitando "outros rostos" nos meus próprios repetidos e nos repetitivos gestos (de tesoura e outros), pensando que faço parte dessas mensagens ditas por "tais outros", umas já estafadas, d'outrora, outras inusitadas quando apenas uno as opostas pontas ou desarrumo as palavras que encontro perdidas ou dependuradas por aí, encontro nelas, outro sentido, menos nobre para a decoração existente no hall de entrada das casas.
Falava em miragens e encontro-me nos parados desertos horizontais sem ter, nem água, nem fontes, isentos de paisagens e dos verdes preciosos que preciso,todos os meus mais terríveis fantasmas ociosos de areia, me rodeiam, lembrando as danças com bruxas disformes e negras de Goya,nem sei porque me odeiam tanto elas, nem sei se é miragem esta sala, funda, perfumada e cor-de-salmão, funda, funda... e sem saída, que me abocanhou e engoliu inteiriço da manhã e até ao almoço.
(por isso vivo, abrigado, deste lado da terra e de uma face da vida de oculto insecto caseiro e de tempo indeterminado)
Dói-me no desejo...por obrigação de quem sonhou o amor.
Joel-matos (11/2010)
http://namastibetpoems.blogspot.com