segunda-feira, 6 de agosto de 2018

“From above to below”




“From above to below”

(Dali por mim)
Quando a facilidade de escrever se insubordina, escrevo e escrevo e escrevo; transformo-me em caudilho do que digo, converso conversas sem contexto quando a ocasião não me facilita a escrita, como agora de certeza, nada me ocorre que valha a pena ser escrito ou conversado, nem me convenço do que afirmo ter uma ordem certa, alfabética.
O labirinto é o fauno e uma única tarefa imortal só na alma e na do poeta o fio da meada.
A fome e a sede são circunstâncias.
Defino-me como a excepção intuitiva, não entendo os outros nem pretendo ser entendido por todos, não ajo nem ando como a maioria das pessoas.
Não me sinto culpado por não me fazer entender, é uma questão de consciência, não uma tragédia.
A fome e a sede são insignificâncias perante a existência de cada um, mas concorrem e especializaram-se, cada uma à sua forma para o triunfo da mente humana e para que as palavras falem às vezes connosco e as entendamos.
A noção simples de existência é esmagada pela sede e pela fome mais que pela miséria insana, embora sejam uma trindade, uma trilogia, outra palavra em voga e em moda; Já o que me costuma manter vivo é um desejo de comer e beber, absurdo para alguns, para outros, compreensível ou a regra “Sine qua non”.
Defino-me como a excepção não pela inteligência ou habilidade, mas pela simplicidade e pela intuição, como água de uma fonte ou um pedaço de pão na mão de um miserável esfomeado mas autêntico, assim sou eu e sempre, serão a sede e a fome também autênticas quanto o Jonas e a Baleia.
Basta-me ver rosas, beber vinho e uma conversa com a cabeça ou o estulto projecto de a manear assim como um mundo.
O vinho ajuda a reparar injustiças e o esplendor da beleza feminina, uma dádiva da natureza, um requinte, uma arte, um conforto.
Quando a finalidade ao escrever é de desvendar territórios remotos temos que contar com a nossa competência de aventureiros mas também com a capacidade das lanças hostis, a disciplina de falanges nómadas ou do açoite do deserto na lona das caravanas, a bigorna do sol-rei nas têmporas das hostes guerreiras, os pórticos inúteis no coração da Mongólia guardados por fiéis disciplinados e profecias que a história nega aos de hoje.
Quando a facilidade de escrever se insurge da rotina dos meus hábitos, surgem-me pensamentos nos nós dos dedos e nos actos mais tacanhos ou mesquinhos, sendo a distracção um contraponto, a abstracção uma costureira e a teia, forma o que penso, o fio da meada ou reverso da moeda.
A bebedeira é um profundo bem-estar e podemos encontrar a nosso carácter atrás dele, em longas taças, em pequenos goles.
Para mim a vista é o julgar que se vê, o crer que se vê sem ver; o paladar, um ritual degustativo, quando chega ao palato o sabor do chocolate derretido na língua assim como o café junto com o açúcar, inseparáveis quanto o charuto dispendioso e o fumador rico, anafado, o sultão de Constantinopla com o séquito do harém, todas com longas tranças e a fumaça das mil e uma noites.
O excesso de recordações é uma contrariedade infinita, torna-me suspeito de incompetência e incapaz de viver “do novo”, sem encontrar soluções no “atrasado”, “From above to below” sujeito apagado e cerimonial do que assumi como sendo igual ou equiparado a genial, sendo absurdo isto tudo, esta ida “non Stop”nesta ideia de vida.

Joel Matos

Convenço, convencei, convençai…




Convenço, convencei, convençai…
A catarse da vida é tudo o que há de mais puro nas ilusões, a perca de ilusões é o cataclismo simbólico, a catástrofe, o fim de tudo que, inconscientemente nos anima, nos dá alma e brilho ao espírito, o cenário, o quarto da Alice brilhando no escuro, no breu.
“A ida”, na viagem, é uma desses enganos magníficos, maravilhosos, em que a nossa inteligência nos cede endomórficas estaminas, tal como numa aventura a dois, de recém- apaixonados ou casados, ainda com a tinta fresca e as latas a arrastar ruidosos, no asfalto, traços descontínuos a perder de vista, um “Buick” branco conversível, nas estradas do Arizona, regressado à estrada, como novo, depois do casal fazer 60 anos de casados, incutida a genial ideia de que isso era a felicidade conjugal suprema, há muito tempo perdida e a depois miraculosamente redescoberta; coisas da publicidade comercial de “Cable- TV” , que tanto pode vender cigarros para um infeliz cowboy, sentados na garupa de um cavalo malhado no meio do deserto de Sonora (apesar de ter morrido de câncer no pulmão, alguns anos depois) assim o medo por tubarão de filme, nas séries da Net-Flix, sem enredos, apenas medo e mais medo das águas cálidas, pacíficas do meio oceânico.
Vendem-nos Pepsodent-herbal, para a cárie nos dentes tal como a cabeleira de Donald-Trump despenteada, quão admirável presença na sala oval, não fosse gato-morto, fedorento ou escalpe/ troféu de cinturão de índio, no Far-West Americano ou ainda quando se vende como autêntica necessidade, uma chaleira de água quente com apito, a um beduíno no deserto, sem corrente eléctrica nem luz na tenda, música anti-stress, a um monge dos Himalaia, em recolhimento por 120 anos, numa gruta a mais de 5.150 metros de altura, apesar deste viver-nas-nuvens.
O fígado e os rins são excepções, não consigo e acho que ninguém consegue, fazê-los mudar de funções, mas penso que funciona no marketing e em quase todas as nossas acções.
As nossas escolhas não são monólitos negros, estruturas decanas, ancestrais, mas sim espuma, plasticina-plástica, matérias mutáveis, alteráveis, estranhas simbióticas e tacanhas as nossas mentes, pois acreditam em tudo quanto lhes impingimos, quer seja banha de cobra ou sabonete de ervas para a celulite e para a tinha-seborreica.
Usada benevolentemente, a nossa capacidade de convencer pode, pela persistência, dignificar a esterilidade ou dar importância a um individuo nulo, de olhar fixo e lentes graduadas, tornar pertinaz o filosofo e metafisico algo ou alguém cuja importância e existência, seja pouco mais que física e que se reconhece ele próprio como ser meramente decente e próprio para uma digestão monogástrica, mono-fágica. Uma tragedia, a decadência humana, se não ousarmos sonhar, sonhemos, acreditemos, convençamos alguém que a lua é feita de vidro verde e o homem objecto de porcelana da China, nada é o que parece mas tudo o que parece pode ser e é, cabe-nos acreditar.
O mecanismo da inteligência dá-nos clarividências que podem ser genéticas, apesar da nitidez maior ou menor com que as possamos usar ou usufruir, pode ser sublimada, alavancada por peças exteriores a ela e estas, se usadas da forma mais generosa, podem fazer conquistar muitos e nobres propósitos ao ser humano em geral e à humanidade, como se fossemos um cardume de anchovas livres e felizes, num mar sem redes ou tramas menores, convençai…conversai …

Ao principio …



Ao principio …
O principio impunha-se à vontade arbitrária de criar, sem que se arriscasse concluir como e de que forma se reproduziria a vida a partir do nada, do primevo, do zero,do nulo, do ovulo.
A vitalidade não tem forçosamente uma raiz, a vontade sim e o principio é a origem, o folículo do ovário, uma opção especial, especifica, a qual caracteriza o começo, o principio de tudo, a realização da vida e do mundo.
A vontade deu origem ao primeiro fruto, porém este inaugurou o morrer e o tom poético do outono invadiu, primeiro o mar e depois a terra, a serra e a floresta e o ar, tinha-se inventado o tempo, pois a morte não é o fim da vida, mas a revogação natural do tempo, de velho em novo, de novo em velho, assim tem sido sempre até agora e assim será eternamente.,
Logo o sonho estabeleceu que houvesse lua e a lua apareceu, em crescente, ditando os ciclos menstruais da mulher e à floresta, deu razões para crer, crer na paixão da seiva ao subir do caule às rubras pétalas.
No princípio era o óvulo, o veludo do musgo e o músculo da ameijoa, da anémona e o caranguejo-ermita, na concha abandonada, a praia a perder de vista, o beijo dos namorados de mão dada, os desejos insinuados, o calor e a vontade de fazer amor, mais que tudo, mais que nada, na esfera , na atmosfera ténue das vontades arbitrárias, o planeta Terra, o Mundo.

Em geral



Em geral
Em geral, somos criaturas miméticas que se prendem nos gestos uns dos outros e aprendem por imitação dos sinais do rosto embora aprendamos devagar e com gestos lentos, desde como fazer balançar o berço até ao contar pelos dedos, a tabuada dos nove, em galego, (nove’s fora nada, nada igual a zero, por gestos) quer a comunicar com os ombros dizendo eles da nossa equidade em Basco, ainda mais que nós mesmos “por boca” lograríamos transmitir por sílabas gástricas, intestinais, o estalar dos dedos é linguístico e tão universal como a palavra “TAXI”, não tenho vontade ou necessidade de justificar o gesto de um só dedo, partilhar os meus costumes a outros ocupantes deste “Taxi espartilhado”, nem justificar convívios, conluios; nem necessidade de justificar o que conluio finalmente como tendo real valor, a minha sensibilidade e versatilidade, está para o meu entendimento assim como o erro para Descartes, mantenho a cabeça na pia baptismal e afasto, separo as emoções dos pensamentos embora as minhas alterações comportamentais não sejam, nem sigam uma linha recta, mas a distancia mais curta entre o que me apaixona e o que penso ser correcto parecendo nebulosa à distancia e na consistência e desvio múltiplo, de facto não o sendo; é o que me influencia vindo do exterior, o mundo qual gera justamente a minha ideia de verdade, originalidade e ideal, justiça.
Em geral, sou como uma criança que aprende com o que conheceu ou aprendeu numa conversa a dois com os cotovelos, aí chego a uma conclusão e passo-a a limpo com os dedos das duas mãos, apesar de muitas vezes colher da erva alta flores de cardos, viscosas, terríveis, espinhosas, por serem de uma realidade que às vezes dói, a própria vida nem sempre é constituída por viçosas flores de jardim, mas por associações destas e outras ideias, a ironia e o sarcasmo são espécies entre muitas e uma indicação aguda de atitude espiritual por vezes injustamente condenada como bastarda e indigna de se considerar flora. 
Confio nos polegares opostos, na instituição que é ser “Humano” e embora não me vista de Xiita, admito-os e admiro todos os trajes, são as oficinas que tecem os trajes, que por sua vez moldam o pensar do polegar e o entrelaçar constante de dedos é um dom, um mérito, o ligar fio com fios; o aspecto, uma trama cerzida ponto por ponto.
O encanto da liberdade é dizer o que quero a outro, passar por onde quero, ter dois ou mais poleiros para cantar de manhã cedo e escolher o que quero usar dentro da capoeira, apesar de acabrunhado e sonolento quando acordo a doer-me a bexiga, alivio-me desse incomodo antes de cantar de galo pela fazenda do meu dono e fazer de novo um berreiro daqueles que se ouvirá da França ao Reino Unido, supondo que o galo fala francês, já que de lá é oriundo e não da loja de algum chinês. 
Em geral somos criaturas de hábitos, temos pés de barro que embora possuam outra utilidade também servem para quebrar canelas e joelhos de diferentes jogadores em diversos jogos, provocar dor; habitámo-nos a usá-los para andar, para correr, para cheirar de modo que sintamos que estão sujos ou com o síndrome de pé de atleta em estado avançado, nauseabundo.
Não costumo cheirar os pés dos outros, nem o peçam por favor, cada um tem de sentir a que cheira de facto cada palavra e acto e a morada íntima da alma não pode exaurir demasiado fedor, sob pena de perpétua condenação, vem descrito no Apocalipse de Patmos como exemplos de males sem cura, quer o pé-de-atleta assim como o mau hálito de boca e as dores de cotovelo ou de cabeça congénitas. 
A fome e a sede são generalidades, aprende-se cedo a enfrentar assim como o medo e o modo de embalar com o abanar do corpo e a dar movimento ao pequeno berço.
Defino-me como a excepção à aprendizagem em geral, não sou aprendiz de coisa alguma; como mestre de mim mesmo, não entendo dos outros o que não sei por “Leitmotif”, nem pretendo ser entendido por todos, não ando nem falo como a maioria das pessoas, nem me sinto culpado por não me fazer entender, é uma questão de consciência não uma estratégia nem uma tragédia. A fome e a sede são insignificâncias perante a existência de cada um, mas concorrem e especializaram-se, cada uma à sua forma para o triunfo da mente humana e para que as palavras falem às vezes connosco e as entendamos. A noção simples de existência é esmagada pela sede e pela fome mais que pela miséria insana, embora sejam uma trindade. Sinto a liberdade a definhar no trânsito da cidade, na fila dos semáforos urbanos que me obrigam a parar, nos anúncios de pasta de dentes e no IKA dos móveis, nos impostos que me obrigam a pagar, já o que me costuma manter vivo é um desejo grande de comer e beber, absurdo para alguns e para outros compreensível; a regra “Sine qua non”.
Geralmente não tenho sede de água, pouco bebo a não ser nos regatos quando caminho nas florestas doutros reinos, defino esses momentos como genial excepção, não pela inteligência ou habilidade de me acocorar nos regatos, mas pela simplicidade, pela fuga de espírito, como água de fonte fresca, maleável à mão, um pedaço de pão na boca de um miserável esfomeado, com o estômago colada às costas mas autêntico como uma floresta, assim sou e sempre fui, serei.
Termino esta dissertação da maneira mais genial e generalista que me ocorre, como o hábito geral de nos transfigurarmos em tudo o que nos une e nos normaliza como seres miméticos e sociais, sociabilize-mo-nos q.b.
– Carpe Diem – 

Conto …




Conto …
Conto de um, dois, três, quatro e cinco e seis, dezasseis …até trinta e seis, esquivo-me a agir, reduzo a acção, supero o deve e o haver, sobra-me o que não disse e continuo a viver da arte das expressões e emoções já não tanto à flor da pele como uma coroa do sol e o papel a arder quando se aproxima e afasta a lupa dele repetidamente concentrando a luz, concentro-me na lua, em que não há, não pode haver fogo, não há ar e o meu trono é de ar e povo, pai e rei do mundo, imagino-me e é tudo, as revoluções e as guerras continuam por todo o lado, não são estéticas, causam horror, não valem o som que fazem aos ouvidos, de boneca de louça quebrando, de bebé chorando; eu potencio o repouso e conto um e dois e três, até trinta e três sabendo que é um jogo, um exercício, o da concentração da luz numa lente e o haver fogo e o que posso fazer é saber e faço de sábio sem o ser, inevitavelmente conduz-me a estupidez por entre mortos e feridos embora não haja reino por que valha ser ferido.
Conto um, dois, três, dezoito, vinte e oito pelos dedos, peço o recibo ao taberneiro, sempre solicitei contas com boas maneiras; um pobre, ridículo acrobata de circo no fim da rua, porta com porta em frente à minha, lembra-me os meus falhanços, a minha incompetência endémica que me faz confiar na habilidade de faz-de-conta tal como o palhaço que ri na rua do-tudo-por-nada. 
Conto e continuo a contar que, sob as más-caras há e sempre haverá humanidade e o hábito, elevado ao expoente máximo que um processo mental básico alinhe o inapto de sonhar com o sonhador devoto, surpreendo-me constantemente com quem passa por mim e se apega à matéria da negação como forma de existir suprema, transfiguro-me numa outra realidade, conto e continuo a contar sem me misturar, daí a habilidade em seguir vários caminhos sem me envolver com a rua e o palhaço que representa os meus falhanços e a estupidez humana das almas todas incluindo a minha, a chama, a luz concentrada de uma lente, o sol; concentro-me na lua e conto, cem, cento e muitos impulsos de todo o meu sangue Germânico, abrandando até sarar … 

“Semper aeternum”




“Semper aeternum”
É tão difícil encontrar alguém que acredite quando se diz que se ama visceralmente ou que se entende cada cor e cada pincelada na pintura exótica e extravagante de Paula Rego, o mesmo da água tónica sem limão nem gelo, quanto da voz rouca dum Tom Waits tão ofegante quanto bêbado, diz ele que atrai mosquitos pois estes são atraídos pelo azul dos seus “blues”e não p’los olhos “marron”, assim como os camelos pela água, ele por old whisky mesmo estando podre e estagnada a água dos dromedários do chá verde e amarelo, assim como as areias do deserto se movem as mulas do “far-west” americano são fascinadas pela voz improvavelmente bela do cantor de blues.
Quem gosta de ser interrompido pelos filhos entrando no quarto quando faz sexo, surpreendido pela voz do parceiro ou da parceira na cozinha, “não faças assim o cozido, faz deste ou d’outro modo”, é tão difícil que alguém acredite que se gosta do sabor amargo da cerveja assim como do “brain freezing” quando se bebe uma soda “super-gelada” habitual nos “franchisings” do costume ou da gasosa com soda ou o blody mary a meio de um meeting de veggies ou sobre alterações climatéricas num dia de verão extremamente frio ou à luz da vela, numa tropical noite de“banana moon” a beber champanhe na cachaça, ambas juntas a flutuar com raspas de lima verde e sabor a hortelã-pimenta.
Há quem acredite que os Americanos foram à lua ou que os futebolistas lutam pelas cores das bandeiras nacionais nos mundiais de futebol, na copa do mundo como dizem os brasileiros; que a Terra é plana é um exemplo da pouca fé humana na ciência ou que a lua é verde quando não estamos a olhar ou quando a vemos sem “a ver”. 
Eu falo para as árvores, que estas ouçam não sei, (I Talk To The Trees) acredito que sim, é uma atitude que me percorre desde a raiz do cabelo até ao acabar dos dedos um a um e todos, o mindinho.
É tão difícil encontrar alguém perfeito? Não creio; tal como não acreditava vir a gostar de Tom Waits, receio, sinto e sei de uma estranha mágoa dentro de mim, parecida a uma pequena “ervilha de cheiro” ou será apenas melancolia de passageiro que se diz apaixonado pelo caminho sem o ter feito, como se fosse uma doença incurável ou um contratempo encontrar-me eu comigo e a sós, “semper aeternum”, comum e imperfeito,“Finale”. Não creio num armistício, cansei-de lutar viúvo contra baleias brancas e ao vivo.

Antes de tud’o mais …




Antes de tud’o mais …
Antes que tudo, desfaço a minha barba com a Gillette, a mais perfeita e bem-feita do mundo e depois de levantar de manhã-cedo, o leito ainda aquecido e marcado pela fixa posição corporal; como uma praxe, faço a cama quando sou o último a levantar, ponho as “orelhas dos lençóis num ápice por cima das almofadas” , a chávena de leite amornado no micro-ondas com a substancial aveia e antes de qualquer outra coisa do dia e no princípio de tudo, de todos os acontecimentos que não serão cerimoniais tanto quanto os da manhã e do café, além de trabalhar das oito e pouco- às sete e tal, olhar na rua o escasso movimento habitual, a apatia dos transeuntes e a simpatia do vizinho da frente que comparece na loja a horas e minutos fixos e certeiros para dizer bom dia, comentar o jornal da véspera e os acontecimentos da periferia, além disso traz por vezes ameixas ou damascos para o lanche ou melancia da quinta que cultiva nem sei onde. 
A meio da manhã com a vinda do carteiro, as facturas da luz e da água forçando-nos a pensar que só pode ser assim, a realidade a deixar-se fazer sentir. 
Música por “background”, “Dark Blues” ou “Motown Jazz” sempre igual a sempre, assim também a falta de respeito habitual quando pedalo pra cá e pra lá de bicicleta, pela berma da estrada como manda a segurança; faço todos os dias uma silenciosa digressão para a urbe com os carros colando em mim como um estranho “chiclete” de banana com maracujá, uns pegando a outros, como peste; a minha indignação sempre presente, a título de “karma” ocidental e pungente, quase como uma bofetada a frio de “dia-a-dia” é o que acontece quando dou por mim na cidade das más vontades quotidianas, do massacre e da ignomínia, dos cidadãos sem honra nem tino apesar da pressa de alguns; parecendo ser abastados a julgar pelas máscaras fechadas e imponentes e no que diz respeito a carros e a cigarrilhas de saquetas douradas dobradas amarrotadas, atirados com desleixo e ainda com morrão aceso, com ou sem intento, (suponho que não), para a berma mesmo que esta esteja seca, restolho de pirotecnia, incêndio; ruidosas procissões de gentes escravas de uma missão que não entendem e as transcende deixando elas próprias de fazer sentido … 
Antes de tudo, Sou um ser indignado por defeito embora o meu feitio seja feito de boas vontades saudáveis e intrínsecas como o salmão e o seu óleo qua tanta falta faz a uma boa, equilibrada dieta, excepto o óleo da batata frita embrulhada, que na ausência me não faz pesaroso ou triste, excepto a um “Mc Donalds” rico, untuoso, obeso e prejudicial, meu rival de peso no que diz respeito ao colesterol que não controlo nem consigo controlar apesar do esforço e da intenção.
Ainda assim e antes de tudo respeito o “laissez-faire” dos outros, além as parcas boas vontades de um sistema global e globalizante, castrador da firmeza individual, legível até na escolha gastronómica das filas diárias e intermináveis de consumidores, nem firmes nem filiformes, em veículos perfilados, cada um com o som do rádio mais irritante que do outro da frente ou no detrás, do sofisticado look de marca nos óculos, da arrogância egocêntrica e automobilística de enfileirado de um e de outro lado nos “drive-ins”, como se fosse aquele o melhor petisco e manjar da Terra e do céu juntos na mesma receita, lado a lado, pão com pão, carne com carne, ambos de duvidosa origem, mercado pra’ apáticas bocas, fácil digestão, chiclete-gástrica.
Antes de tud’o mais, cometo a ignomínia de me regalar com as palavras-minhas desde que chego ao trabalho até que me escapo e quando posso, por vezes parece uma manta de retalhos o que s’crevo ou um labirinto sem saída, sei isso e sinto mas o fio quando se parte da meada numa mais é fio contínuo e os nós se enredam dando uma sensação de trama mal acabada, mal alinhavada, como se fosse um pintor chinês pintando paisagens da Holanda de Gogh em aguarela.
Compõe-se a linha da beleza artística de uma fina camada de sensações das mais longínquas proveniências e até no fazer da barba se define o que será o dia e a semana e a emulsão analgésica do creme de barbear prepara-me a face e o espirito, absorve-me e observo no espelho a consciência separando-se como uma espécie de publica instituição física e intuição profética e poética profunda, criadora. 
A missão é não desejar, não triunfar, embora o quisera eu interiormente; em privado ainda assim triunfo, liberto-me de ser escravo embora na realidade não deixe de o ser, natural é o que sempre fui e sou desde que faço a barba de manhã cedo, arrasto os lençóis da cama sobre as almofadas e persuado-me de que tudo é uma narrativa que estico sem o menor esforço. A calçar e descalçar é que experimento o melhor sapato, o que faz menor peso ou melhor passo.
Antes de tud’o mais seduz-me o que é reduzível ao absurdo, a interpretação dos sonhos, a apreciação das acções dos outros e o modo de exprimir que se desenrola do meu polegar erecto à expressividade côncava do que tenho pra dizer na palma da outra mão, astucia ou dom de camada fina.
Antes que tudo, desfaço a minha barba com a Gillette, depois vem tudo o que consegui ser, a repetição dos movimentos da mão destra, nem estrelas mestras nem cometas, o universo inteiro para mim é uma brecha sem conteúdo flui pela minha vontade sem que agarre senão a sensação inútil de repetir os mesmos gestos na orla onde as estrelas começam, a floresta escura.
A missão não é desejar puro, sublime e sem corpo, nem a imaginação se mede na pele dos outros, aos palmos,nos pulsos ou com um termómetro, a única maneira é reconstruir tudo, algo novo, um mundo, pra admitirem que temos isótopos do dom que é sonhar como uma medida real, escudo pra tudo e até contra o tempo, a fluência é um mito urbano, o desapego um medicamento contra nós mesmos, acção pode ser desencanto como a emoção é analgésico, a emulsão do creme de barbear prepara-me a face e o espirito como substancia especial que reage ao exterior e ao submundo, o oculto.
Profetas são os que observam na sonolência dos outros o mistério do sono absoluto, supremo e simbólico, deles próprios assim como a emulsão dum creme de barbear, na pele do rosto…

“From above to below”




“From above to below”



Quando a facilidade de escrever se insubordina, escrevo e escrevo e escrevo; transformo-me em caudilho do que digo, converso conversas sem contexto quando a ocasião não me facilita a escrita, como agora de certeza, nada me ocorre que valha a pena ser escrito ou conversado, nem me convenço do que afirmo ter uma ordem certa, alfabética.
O labirinto é o Fauno e uma única tarefa ou entrada imortal só na alma e na do poeta, o fio da meada.
A fome e a sede são circunstâncias.
Defino-me como a excepção intuitiva, não entendo os outros nem pretendo ser entendido por todos, não ajo nem ando como a maioria das pessoas.
Não me sinto culpado por não me fazer entender, é uma questão de consciência e de princípio não uma tragédia.
A fome e a sede são insignificâncias perante a existência de cada um, mas concorrem e especializaram-se, cada uma à sua forma para o triunfo da mente humana e para que as palavras falem às vezes connosco e as entendamos.
A noção simples de existência é esmagada pela sede e pela fome mais que pela miséria insana, embora sejam uma trindade, uma trilogia, outra palavra em voga e em moda; Já o que me costuma manter vivo é um desejo de comer e beber, absurdo para alguns, para outros, compreensível ou a regra “Sine-Qua-Non”.
Defino-me como a excepção, não pela inteligência ou habilidade, mas pela simplicidade e pela intuição, como água de uma fonte ou um pedaço de pão na mão de um miserável esfomeado mas autêntico guru, assim sou eu e sempre, serão a sede e a fome também autênticas quanto o Jonas e a Baleia. 
Basta-me ver rosas, beber vinho e uma conversa com a cabeça ou o estulto projecto de a manear assim como um mundo.
O vinho ajuda a sanear injustiças e a reparar o esplendor da beleza feminina, uma dádiva da natureza, um requinte, uma arte, um conforto.
Quando a finalidade ao escrever é de desvendar territórios remotos, temos que contar com a nossa competência de aventureiros mas também com a capacidade das lanças hostis, a disciplina de falanges nómadas ou do açoite do deserto na lona das caravanas, a bigorna do sol-rei nas têmporas das hostes guerreiras, os pórticos inúteis no coração da Mongólia guardados por fiéis disciplinados e profecias que a história nega aos de hoje. 
Quando a facilidade de escrever se insurge da rotina dos meus hábitos, surgem-me pensamentos nos nós dos dedos e nos actos mais tacanhos ou mesquinhos, sendo a distracção um contraponto, a abstracção uma costureira e a teia forma o que penso, o fio da meada ou o reverso da moeda.
A bebedeira é um profundo bem-estar e podemos encontrar a nosso carácter atrás dele, em longas taças, em pequenos goles.
Para mim a vista é o julgar que se vê, o crer que se vê sem ver; o paladar, um ritual degustativo, quando chega ao palato o sabor do chocolate derretido na língua assim como o café junto com o açúcar, inseparáveis quanto o charuto dispendioso e o fumador rico, anafado, o sultão de Constantinopla com o séquito do harém, todas com longas tranças e a fumaça das mil e uma noites.
O excesso de recordações é uma contrariedade infinita, torna-me suspeito de incompetência e incapaz de viver “do novo”, sem encontrar soluções no “atrasado”, “From above to below” sujeito apagado e cerimonial do que assumi como sendo igual ou equiparado a genial, sendo absurdo isto tudo, esta ida “non stop”, nesta ideia de vida, “Non invicta Rúmen est”.


-O corte do costume, se faz favor –




-O corte do costume, se faz favor –

“ – É o costume?” – Digo eu, perguntando como sempre faço, embora sem esperar pela resposta, como se fosse um ritual castiço – O costume, se faz favor – é a réplica espontânea, mesmo nas tascas das s’quinas ou no restaurante onde se almoça quase todos os dias do ano e na taberna do copo de três, que infelizmente já não existe ou apenas nas historias do “era uma vez”.
“ – É o costume!” Costuma servir de resposta e é lançado como um dado, prontamente e na primeira frase, depois do cliente sentar lento e logo a seguir ao bom dia ou à boa tarde, ditos como numa praxe que nos habituámos no ocidente.
São fundamentais estas palavras que trocamos com qualquer cliente conhecido numa qualquer e normalizada oficina de barbeiro e também a frase mais comum, rotineira até à exaustão e dita no local onde trabalhamos eu e meu pai desde que me lembro, tenho cinquenta e poucos anos, ele oitenta maduros e muitos mais de sagacidade, a memória mais activa e infinita do mundo, enquanto a minha, a imediata me basta pois é dele, em si mesmo como homem bom, que me lembro desde sempre, do meu atencioso pai, atenciosamente atendendo clientes acostumados à sua cadeira de barbeiro, bem ao lado da minha, apesar de não falamos muito somos “unha com carne” desde sempre; houve um tempo em que eramos três, três cadeiras sendo a do meio pouco usada ou foi usada por um curto espaço de tempo, agora apenas duas, sendo menor o número de clientes “do costume”, menor o vulgar protocolo cliente/ barbeiro-de-bairro. 
Faço a viagem diária do costume, tomo o pequeno-almoço do costume, janto o jantar costumeiro com a família com que costumo sem excepção, partilhar as minhas refeições à beira, os meus humores e as minhas ralações costumeiras, não me costumo desacostumar de um casulo que me proteja do exterior e dos outros, pois tenho sempre os mesmos costumes seja qual for o dia a semana o mês ou o ano, sou um ser naturalmente enfático sem ser autista, assim como qualquer outro normal ser humano de costumes ditos fixos. 
Tenho um cliente autista profundo, com o qual troco apenas meia dúzia de palavras ou nem isso, não costumamos falar demais nem demasiado, nem posso, não exagero no que digo nem quando afirmo serem meia-dúzia as palavras com que conversámos faz até esta data mais de vinte anos, vinte anos em que é e tem sido cliente habitual; fui e sou das poucas pessoas em quem ele confia para trocar certas curtas palavras e para lhe prestar ou proporcionar um serviço mensal ou bimensal dependendo da ápoca dos meses e do anos serem menos quentes, mais húmidos ou mais frios.
Também ele se protege num casulo invisível, indivisível e bidimensional, à sua medida e à do mundo exterior, cria rotinas talvez para subverter a ânsia que é sobreviver numa “super-colectividade” de ansiosos eficientes, não dizemos as palavras da rotina, “é o costume” ou o “está um dia de sol”,” como vai a saúde” etc. Entende-nos o tempo que nos conhecemos, igualmente sem palavras, assim como nós os dois, dirimidos intérpretes, dirimidas actuações sem conversas do – O costume, se faz favor – como sempre, perdurará noutra gente, noutros tempos “como-de-costume”, autistas ou não, pais de filhos, filhos com pais, tal e qual como sempre.
Se faz favor, etc e tal …qual e tal gregos na liturgia papal Romana ou da antiga Pérsia, ainda não Otomana e no sal do mar, que habitualmente sabe muito a peixe.

Joel Matos (2018 Junho)

Toda leveza é possível enquanto dura o voo ...




"Tod'a leveza é possível enquanto dura um voo,
Toda leveza é tão duradoura quando possivelmente não tanto"


Joel Matos

sexta-feira, 8 de junho de 2018

(1820)







1820


O mal deste mundo é nem tudo rodar à volta dele,
Por sinal a mim tudo volta excepto o que mais desejo,
Voltar ao mundo segunda, terceira, quarta vez e sempre,
Por isso escrevo detrás pra frente e não de frente pra trás

Mas sempre contra a rotação do planeta pra ser diferente
De toda a gente na Terra e em tod'a roda desta e sempre
Com a lógica de um relógio de água na metafísica de Escher,
Menos arbitrário o pêndulo que Foucault, e o universo 

Tão mais próximo quanto o supúnhamos longínquo
Ou tão a Norte, o mal deste mundo é nem tudo rodar
À volta dele, de mim tampouco, sou o que sente,
Cumpro o ritual das cearas, Copérnico das velas 

Crescendo, solto no ar o que parece ciência sem ser,
Ninguém me conhece tão mal quanto eu, mesmo
Os meus segredos me metem medo sendo a fingir, 
Tomara este mundo possuísse longas pernas

E umas mãos de metro e meio, pra me segurar eu,
O mal deste mundo é nem tudo rodar como roda
Esta pedra redonda, que é meu coração moinho/nora 
Por isso escrevo detrás pra frente e de frente pra trás ...


(Joel Matos 1820)







Joel Matos (05/2018)
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"I can fly"






I can fly …
Luar sem telha, casas sem telhado,
Coração vidraça, prova de mudança
Dentro o meu pensar, total o caos,
Rarefeito ar, meu pensamento hélio, 
Luar sem telha, casa sem telhado,
Rara substância, mudo de ser eu,
Cada noite mais escuro, cada dia
Mais breu, a prova-minha covardia,
Coragem sumida, assumo o luar,
Assomo estrelas quase extintas 
Por decreto, sol morto, labirinto,
Sala de jantar, vinho sem gosto,
Luar sem telha, casa sem telhado,
Partida a taça, hálito é vácuo o resto
É existir como se aqui o além fosse
Fragmento, e o que assomo, lugar
Que ainda preciso pra dispersar
Na morte os membros próximos
Do voar, can I fly, flor d’cimento,
Lugar sem peso, natural o medo,
Voar artificial e falso o que penso, 
Luar sem telha, casa sem telhado,
Asfalto, folha ao vento, façam-me
Estátua vulgar, branco pra ser ave
“I can fly”, imperioso ser-se vento,
Pra que se possa voar í’preso.








Joel Matos (05/2018)




quarta-feira, 23 de maio de 2018

S'isto que tenho dito, fosse verdade ao menos ...







S'isto que tenho dito, ao menos fosse verdade,




S'isto que tenho dito ao menos fosse verdade, pois "de-verdade" nem eu sou, de cortiça antes, de prego, fezes de cavalo são meras frases, ditas por mim "Icónicas", mestiças como todas a partes abaixo da linha de cintura minha o são, chamo-lhe uma corrente de ar ou corda, cabresto, mas simplesmente sou eu o "não" o anão, espalhando-me pelo chão, descrente de pensamentos e expressões, não me fluem com o o equilíbrio e inteligência que usava como o galo do quintal do vizinho para me anunciar num simples poleiro empoleirado a verdade e toda a verdade sobre a existência dele próprio quando canta de galo.

Se fosse de verdade ao menos e o quintal noutro mundo eu deixava acender o restolho e aí as ideias copulavam mas fui varrido pelo desencanto, folha morta no furgão do lixo.

S'isso ao menos fosse verdade, pois se tudo quanto sei e dou me voltou em dobro, era cuspo e culpa por não ter dito, eu que pensava ter da vastidão exéquias recebo feijões anémicos cicuta e terr'inculta.

S'isto fosse um elo real ferro podre ou ralo eu desfilaria através dele até ao esgoto de deus que fede porque ele o criou assim como me fez criado sorridente, escravo de uma necessidade com grades que me segura prende, fede e arde...

Há o Homem que pensa que eu sou esse entre eles, não sou!
Não há meio de pensar que serei o Homem que o pensar soube ser, se Rei ou senhor do mundo, não servente mas hei...de ser sempre e pra sempre delito em gente, prezo tudo quanto sinto e diferente desse outr'homem que'bem sei não ser, sou o genoma do futuro, o cabo do mundo, a verdade não existe nem se comprova.

A varanda é de grades os antípodas e o horizonte tão curto quanto eu para entender as luzes serem eternos sinais com o instinto preso neste quintal suspenso, malditas frases espetadas nestas grades...

Houve um jardim quando não havia regatos e eu me ria nos espaços abertos, meu coração não ouve o tempo misturando-se e a vantagem da angustia não ter fim, assim houve um jardim em mim e meu coração não ouve o fim do fim do mundo, ouve escutando o que pensa ser a capacide de sofrer em fazer e o ser humano fecundo, o universo tudo...a arte é o mundo e a nitidez crescente em mim...a verdade que suporto.

A capacidade de criar torna-me mais intenso, aceso mesmo quando não estou pensando em nada e mais em que tudo é íntimo, quando estudo um modo de dizer que me transcende e aí ouço o passar do tempo como num carrossel acelerado, chamo-lhe ar corrente e ao tempo o intervalo em que disse isto e por isso sei que existo em tudo, nesse momento acordei, acordo e sou tudo, perco-me da visão e a emoção é uma morada semelhante a álgebra numérica magma e espaço, filamentos e galáxias-heras.

Hei-de ser, ouço em mim esse poder de pensar fundo que trago e sigo há séculos e séculos ...um mundo presente aquém e além da minha morte depois, a verdade é isso, intemporal e futuro





Joel Matos (05/2018)
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Pena ser levado a sério e ainda...



Tenho a figura imaginada de me pai,
Da minha mãe a atitude espiritual,
A realidade é minha mas não o direito
A ela, pois isso é a coisa mais absurda

Que existe, sob pena de ser tomado
A sério quando falo de mim próprio ou
Sobre mãe pai ou sogros excepto esposa,
-Digo que tenho a figura imaginada 

Do pai-do-céu, não do meu nem a minha,
Qualquer coisa que nem somos nem
sonhamos, amamos nos outros nós-
-Próprios por isso plagiamos pra justificar

Quem somos, eu tenho pena de ser
Levado muito a sério, não o mereço, 
Pretendo que seja tomado como pouco
Sério, tal qual é a ideia que fazem 

De um louco com-um-certo-juízo,
Jamais com o juízo-certo pois até a verdade
É falsa, sou feliz sem entender nada
E a memória se agrafa no corpo dos mortos

Pra que a alma não erre por corpos que não
Conhece a forma certa e a idade,
Sob pena de ser levada a sério também,
Aquilo que não tenho, eu pareço,

Desprezo os outros como um calceteiro
Pisa a pedra no passeio, por instinto
Não por vontade, como quem erra a sorte
Errei eu a vida, pena ser levado a sério ainda,

E ainda ... 







Joel Matos (05/2018)
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State of a Dream (From Oracles to Shamans )




Serei eu, é a questão e o universo"il faut démonter"



I
State of a Dream

(Vinte de Janeiro de 2017)
Era o sorriso de uma mulher resignada, não expressava alegria mas contentamento, mansa e bela, cruzara as pernas e fumava um cigarro, sabia-os enrolar moderadamente bem, dir-se-iam de argila, não presumíssemos de imediato que fosse tabaco, uma verdadeira ciência, transformar simples papel de arroz numa mortalha iluminada a névoa silenciosa como se fosse uma Xamã.
Tinha um suposto cansaço na pose como quem adormece uma sensação doce de sem-remédio que só os frutos saborosos contêm.
Vestido negro e um decote que os homens têm direito a olharem uma só vez e guardar no íntimo sob pena de excomunhão ou condenação.
Envolvia-a aquela aura de castidade e resignação que algumas mulheres possuem sem darem por isso, como se fosse o desejo algo inútil apesar de útil senão urgente senti-lo!...
Do outro lado do balcão castanho, corrido sentia-se uma sensação cliché comum em filmes, na figura do barman, erecto, limpando copos com um pano velho frente à misteriosa mulher de negro e o olhar deste, fixo num limitado ponto do espaço, como se tentasse ver algo para além do que mais ninguém vira.
O lugar, vazio de clientes, possuía uma solenidade desgastada, assim como o saxofone de Miles Davis tocando “Blue In Green” na juke-box junto à entrada, estranho lugar, mesmo para uma cidade preenchida a bares como New Orleans, pensou ele depois de cruzar a porta, vindo da rua.
Olhou num relógio caro que se distinguia da camisola gasta, Cinco da tarde dum dia quente, ainda que não fosse verão e a hora menos suspeita para dois estranhos se encontrarem num bar, calçava sapatos desportivos, com andar ágil dirigiu-se à mulher sentada ao balcão que não reagiu, embora sentisse que alguém estava ocupando o banco elevado ao lado dela.
Não a cumprimentou imediatamente, antes disso fez um discreto sinal ao empregado do bar apontando com o olhar na direcção de uma garrafa de Bourbon-Whiskey ainda meia, depois fez um sorriso ajustado aos lábios o qual foi correspondido por ela, não se supunha na linguagem corporal ou outra se já havia conhecimento anterior ou seria a primeira vez que se encontravam.
Roça com a mão esquerda, num gesto agradável o ombro desta, como que animando alguma contrariedade e ali ficaram lado a lado durante cerca de uma hora e alguns minutos sem trocarem qualquer palavra ou gesto, suspensos na atmosfera gasta deste bar de new Orleans ao som do Jazz de fundo do saxofone de Miles Davis.
Antes de se deslocar do balcão em direcção à porta da saída, a mulher vira-se devagar para o homem ao seu lado, olha-o com os olhos maduros, negros-azeviche, diz-lhe um nome em voz baixa -“Tália”,ao que ele responde também e em voz ainda mais baixa “Gerome”...
Tália deita a mão delicadamente ao interior da minúscula bolsa, retira dela um papel dobrado em dois que lhe entrega e despede-se de uma forma desprendida e leve como só uma mulher de alta classe social aprende a despedir-se e é como se voasse que alcança a porta, apenas com som dum roçar a setim, sai deixando no ar aquele perfume raro e caro com fragrâncias de açafrão e pimenta verde, dava todavia a sensação doce de odor a mel quando fazia movimentar o ar em redor dos ombros.
Ele apressou-se a sair rápido, parecia furtivo supostamente nervoso enquanto dobrava religiosamente o bilhete que ainda não tinha lido no cinto das calças, tremiam-lhe as mãos ao retirar uma nota de dez dólares para pagar a despesa do bar, Gerome aparentava ser calmo e recatado mas intimamente possuía uma imaginação fértil, ilimitada, sujeito a mudanças de humor e de convivência difícil. 
Por isso talvez fosse ele especial e pessoal a explicação que dava a certos pormenores a que chamamos sinais que para outros são simples acontecimentos, normais, triviais até, como se visse algo para lá da visão de todos os outros, como um oraculo, assim como o barman do bar de onde saíra há poucos minutos também ele "via" para além da pele do mundo.
Sentia-se em casa, as ruas faziam lembrar a cidade onde nascera assim como a exuberância de flores, o ambiente antigo e romântico que já não possuíam as cidades francesas actuais, pois embora ainda aparentasse juventude já tinha idade para recordar a beleza das antigas cidades, conhecia-as quase todas na Europa, embora fosse a primeira vez que pisasse o império do Norte como gostava de lhe chamar, quando falava consigo próprio.
Tália não ia ainda muito longe quando de súbito um carro pára e ela é com rudeza puxada para o interior, ainda a ouve gritar por socorro na língua mãe, Italiano e a origem do nome Tália,
Gerome leva instintivamente a mão ao cinto onde guardara o bilhete dobrado e respira de alívio pois tinha sido essa a razão da sua deslocação ao sul da América do Norte, país que detestava visceralmente e acima de tudo; preocupava-o o destino de tão bela mulher, sem dúvida que sim, mas o seu propósito estava salvaguardado em si próprio e o ansiado bilhete ficaria ao alcance dos seus entusiasmados olhos em breve, assim conseguisse chegar a porto salvo, ao quarto de hotel distante um quarteirão ou dois dali, na mais insuspeita rua, que em New Orleans havia.
"State of a Dream" era a lacónica mensagem da missiva, acompanhava um símbolo exótico desenhado à mão, além de uma outra frase curta em formas cuneiformes qual não fazia parte o mutuo convénio entre Gerome e a linguística .
Teria de pedir os espíritos para o ajudarem, proteger e orientar, faltava-lhe um último estagio de alteração de consciência pra se poder considerar Xamã e fizesse todo o sentido aquela mensagem na demanda a que dedicou Gerome quase uma vida inteira de auto descoberta, desde que conhecera a Dra Marcela, mãe de Tália e sua professora favorita de física no liceu, em west Berlin depois de terminada a II guerra, quase uma segunda mãe, sentava-se à mesa da cozinha dela, depois das aulas, durante horas estudando que esquecia onde estava , divagava, navegava entre átomos e fórmulas...







II

“May the force be with you”

Nove de Novembro de 1989, a grande Praça-Vermelha encontrava-se escura, mergulhada em sombras, parecendo ser perfeito aquele pacto com o cinzento frio do céu; assim como quando os espíritos se separam da vida, caminhava Tália impassível para um destino não menos sombrio que Moscovo de madrugada.
Podia identificar-se na expressão do olhar o cansaço por ter voado directamente de florença e vindo até esta grande praça, non-stop e com escala em Varsóvia visto ter comprado o bilhete à última hora, era imperativo encontrar-se com o seu tio, Arcebispo de Moscovo Pavel Pezzi, na catedral metropolitana nesta cidade e na mesma manhã em que chegasse à Rússia, sem demoras tal como ordenara o pai, Gianfranco Bonelli, embaixador de Itália no Vaticano apesar de arqueólogo por formação e compulsivamente afastado do cargo que ocupara durante uma década.
O pai tinha-lhe dito antes de partir para a sua mais recente "obsessão" em Göbekli Tepe no sudeste da Turquia onde este julgava estava situado a ruína do lendário jardim do Eden, ou o portal do conhecimento humano - o click que possibilitou ao homem olhar pra dentro dele próprio e ver o universo ao espelho, ou assim julgava Pappa Franco, como lhe chamava de uma forma carinhosa Tália, a formosa filha deste e fruto do casamento com a Dra Marcela Gleiser, Física, astrónoma e actual responsável pela investigação no "CERN" acerca de uma nova partícula subatómica, designada popularmente por partícula Maldita ou a famosa "partícula de Deus".
Assim como os espíritos, a massa deste estado ínfimo da matéria também a tornava imponderável ou fantasmagórica, como se existisse nesta nossa "realidade" e numa outra ou outras desconhecidas divisões ou salas de multi-universos ilusoriamente empilhados.
A Catedral era imponente por fora e por dentro, como quase todo o recorte histórico que esta grande metrópole possuía, numa entrada lateral semiescondida por abetos e crisântemos via-se a entrada com um caramanchão de uvas brancas, indícios de latinidade e que servia a residência oficial do tio Pavel, onde o pai se refugiava quando queria estar longe dos afazeres ou estudar algum antigo manuscrito, coisa que podia levar semanas de recolhimento e reclusão do mundo real, citadino e puritano. 
A Dra Marcela Gleiser, mãe de Tália confiara-lhe um grosso envelope que só poderia ser aberto pelo pai, quando e no caso de o encontrar vivo, não poderia sequer confiar no tio, dissera-lhe esta quando a beijou à despedida no aeroporto aquando da partida para Moscovo, foi uma comovida Dra Marcela que não queria deixar partir a filha tão querida para uma missão que poderia revelar-se suicida ou o mudar o consciente de uma espécie, pela segunda vez na história humana.
Tália sorriu troçando da angústia da mãe e lembrou de quem lhe tinha despertado a imaginação para as histórias de Stanley Kubrick acerca de monólitos e descobertas nas luas de Júpiter e de todas aquelas sequelas de 2001 Odisseia no espaço, disse-lhe que também ela tinha uma imaginação fértil mas iria seguir tudo à risca e prometia ter cuidado apesar de não levar muito sério aquilo dos destinos e evolução da humanidade estarem em jogo e ela, uma simples mulher ser enviada como mensageira por causa duma tola fantasia dos pais como se fosse um género de "Obi-Wan Kenobi" de saias, talvez o pai tivesse perdido o telemóvel ou se encontrasse nalgum lugar da Síria e estivesse privado de comunicações devido à guerra. 
Deixa-a com a frase da Guerra das Estrelas “May the force be with you” e o gesto épico de desferir um golpe de espada no vazio do ar, comédia ou ficção pensou Tália indecisa quanto ao género de narrativa que se via forçada a representar e qual a actuação como personagem principal, se drama-falso ou farsa/comédia. 
O Arcebispo possuía tanto as qualidades de orador quanto a força e convicção de um concílio pode ter, num só homem a força de uma gigantesca instituição, no rosto uma amabilidade extrema. 


III

(Le café des sept colonnes)

22 de junho de 1940 , la Bastilhe 


Gianfranco Bonelli Sentia vontade de abraçar, beijar e amar fisicamente todas a mulheres com que se cruzava nas ruas cheias de gente feliz mas procurava apenas por uma, aquela mulher especialmente bela, a bela Marcela.
Os afectos transbordavam nos rostos, mesmo nos pobres, famintos, mendigos e a quem a simples carícia tinha sido negada, apagados deste mundo filhos maridos ou esposas, até mesmo as pegadas descalças se haviam afastado das praias para dar lugar a botas, fardas e a corpos, aço e minas.
Fora finalmente assinado o armistício, as árvores eram mais verdes, agitavam os ramos, agradeciam o dia e a trégua concedida depois de lhes terem espetadas sete vezes no peito sete facas e outras que viriam a caminho, secretas, terminais, finais.
Intelectualmente sentia-se atraído por Marcela mas o grande magnetismo provinha daquele corpo airoso elegante, amava-a não só pela lisura da pele do corpo, dos seios em forma de colina, mas pelo brilho da mente.
Havia sido encarregado pessoalmente por Goebbels, apesar da sua ascendência francesa, de procurar indícios da assumida supremacia ariana entre as montanhas de Tauros e o lago Van, local onde, ao tempo, se convencionava falsamente ser a nascente do rio Tigre. 







(cont...)

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Com'um grifo ...




Com’um grito …
Como eu, o grito
Cresce à vista a ira,
O vasto e o calado,
A solidão do prado,
Com o meu grito,
Nem porto ou cais
Poderá ser d’vendavais
Abrigo,
Como eu grito, 
Nem os pássaros
E o cio dos lobos,
Parideira com dor,
Como eu nem os
Animais ou a fúria
De seis/sete Búfalos,
Como eu, o grito
É ter cinco pedras
Na mão e determinação
Fora-do-normal
De gorila grisalho,
Do Adamastor
O urro, a dor de Joana D’arc
No lume, um murro
Como grito rouco
Na comuna de Paris,
Das barricadas, “Liberté Égalité 
Fraternité”
Que estilhaçou a história,
Como o meu grito,
Precede o silêncio,
Assim o galope, 
Inação não é luta,
É esquecimento,
Sejamos cavalos de tiro,
Gorilas, Ursos, Bois ou Brutus,
Cães com pulgas,
Mas não deixemos 
De gritar “Porra” 
E libertar do peito o urro
Da Vitória convicto e bruto,
Com’um grifo …
Joel Matos (05/2018)
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Amor omisso.




Amor omisso,



Despida a flor,
Fica a semente lá,
Desfeito o amor,
Fica nada dentro dele,

Amor omisso,

Tudo é lembrança, ressaca
A dor, o momento
E o sumiço, despedida
Num virar de cabeça,

Amor omisso, 

Que nem a voz e o 
Vento dissolve, o tempo
Nem o lamento, inda
No ouvido eu escuto,

Amor omisso,

Escuta da flor o feitiço,
Enquanto ele encanta,
Despida da flor a escama,
Nem a esperança ...

Amor omisso,

Toda lembrança é
Partida, todo um céu
Que desaba, é carne 
E ferida e frio, mágoa, ida,

Amor omisso,

Ficou o que se sente, 
De tudo que nos beija
E acaba, e amarga...
(o sonhar é feito disso)

Amor omisso, amor omisso,
Amor é isso ...







Joel Matos (05/2018)
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Fabuloso, fictício ou fábula ...



Fabuloso, fictício ou fábula ...




Visto o que da natureza é bruma,
O mais completo que o sentir
Natural sente, é humana a outra,
Visto a que não é real na relação 

Entre ambos, completamo-nos
Visto que somos natureza útera
A real, a fictícia e a fábula, todas
Duma mesma casca ou escama una,

Põe flores no meu túmulo ou não,
Nenhuma me é indiferente nem o dia.
A ilusão, visto que nem real a nobreza
Usa, nem igual o meu manto rubro,

Há-o de Sultão, magnífico mas d'ouro
Não quero que me contemplem, 
Não sou tesouro pra se contemplar,
Monarca-asceta, bêbado de sarjeta,

Visto que a natureza é Brâmane 
Dá toda a paz que sinto em mim
E o vazio sem nada que possa desejar,
Mais complexo que o sentir de quanto

Não, nem nunca terei de fabuloso,
Fictício ou fábula ...







Joel Matos (05/2018)
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Sem casas não haveriam ruas ...






Albert Gleizes, 1910, La Femme aux Phlox (Woman with Phlox) 





Sem casas não haveriam ruas, 
Sem oeste não haveria ocidente,
Tal como a pegada para o rasto,
O analgésico x para dor de dentes,

Enigma sem mistério, estima 
Sem objecto, ponte sem projecto,
Mulher nua que não atraia desejo,
Tal como a ruga é para o rosto,

O desejo e a paixão caminham lado-
A-lado, se movem como o destino de
Ciro-O Grande ao unir a Pérsia ao Indo,
Emocionava-o a conquista, ai de mim

Que sonho a lua e não sei sonhar
Desperto, a rua não é meu tecto, 
Ocidente pra mim é no leste, o rasto
Que deixo não sei se existe e a dor

Postiça em mim, os dentes e o sorrir
De tudo que na vida me foge como
Casa que rui ao esforço mais leve,
Apesar de meu ego montar o elefante

Dum rei fingido continuo sendo o
Paradoxo de Zenão ao cubo na
Mitologia de Khrónos e as ruínas de 
Micenas mil anos antes do templo 

De knossos homérico, um Prestes-João
Arquitecto ...













Joel Matos (05/2018)
















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Pra lá do crepúsculo

Pra lá do crepúsculo Deixei de ser aquele que esperava, Pra ser outro’quele que s’perando Em espera se converteu, alternando Despojo com eng...