sábado, 15 de novembro de 2025

O sonho de Platão ou a justificação do mundo

 




O sonho de Platão ou a justificação do mundo

A vida completa-se em cada um de nós num breve sonho de conquista, somos o sonho da matéria, somamos símbolos, metáforas e representações que nos substituem, juntamos mistérios para nos explicarmos e justificarmos religiões, fés e credos, à sombra de uma terna luz solar, de uma eterna soma de desleais explicações patéticas (que não nos explicam), de sonhos legais, desejos lícitos e formidáveis ambições.

A expulsão do paraíso e a expiação do mundo, são duas dessas fábulas fantásticas em que lei, ordem e doutrina se justapõem acerca do arrependimento filosófico e voluntário, de reconciliação ritual de metanóia espiritual.
Assim o sonho de obediência, a observância das leis da cidade de Platão, que ele mesmo ajudou a redigir a defender, e a fazer respeitar, de enfrentar a ansiedade e o medo da morte de não responder a uma injustiça com outra que seria a fuga, dizia ele segundo Aristóteles, seu mais proeminente discípulo, acerca da importância da alma e da necessidade de se cuidar dela assim como do corpo físico, assim como o bem e o mal não se podem dissociar assim também o conhecimento, a verdade e a purificação são inseparáveis, o nosso eu, o meu eu.

Bem que verdade e virtude nos nossos dias tem as “portas da percepção” fechadas, encerradas mesmo, muitas pessoas confundem verdades e factos com falsos axiomas virtuais e intencionalmente mal manufaturados placebos..

“Embriaguem-se porra de vinho de poesia e de virtude”, disse Baudelaire “Les Fleurs du Mal”. É uma escolha literal, o integral elogio do fracasso humano, a exuberante aquiescência do conhecimento o qual, embora não me explique, mas distingue do tecido de sarja, distrai para poder extrair da imponderabilidade a mais pura intensidade embrionária e visionária, sonhadora. A poesia é o começo de tudo, do pensamento e até da ciência do conhecimento por isso não a podemos vulgarizar, enfraquecer. Suponho que em Atenas não haveriam redes sociais mas apesar disso a democracia não morreu anémica embora ainda embrionária e foi a convite de Sócrates a que nos mantivéssemos lúcidos, contemplativos não obstante a estupidez tacanha coerciva e colectiva.

O fogo tem perdurado desde que a primeira tocha se acendeu na escuridão, assim é o entendimento apesar de todas as vicissitudes, muitos têm opiniões mas poucos muito poucos carregam o facho, têm senso, a coragem da avaliação critica e analítica, poucos têm coragem para pensar diferente e se distinguirem da manada, têm um custo todos e quaisquer actos de rebeldia e o facto de pensar que nenhum algoritmo hoje em dia ainda conseguiu igualar, o espírito que nos fez e produziu criativos, desajustados, insurrectos e os menos correctos.

Estarmos sós no universo ou não, é igualmente assustador segundo Arthur C. Clarke , o universo deveria pulular de vida inteligente não obstante aqui na Terra e nas cidades que tanto valorizava Sócrates deixou-se de ler as estrelas e de observar a relva a crescer nos canteiros, criou-se um paradoxo entre premissa e falácia, dissimula-se astuciosamente e o inventado cria metástases difíceis de combater num formigueiro onde todas as formigas são rainhas e se contaminam mutuamente sem reagentes ou antibióticos.

O desaparecimento do pensamento critico nunca tinha acontecido, excepto nos últimos tempos desta sociedade supermoderna, talvez pelas solicitações interactivas que possuímos e nos influenciam negativamente. Nós somos lobos solitários, elefantes e não abelhas ou formigas e nunca 1984 de Orwell foi tão actual, não nos podemos deixar controlar por opiniões ou plataformas, sejam elas quais forem sob pena de silenciar a liberdade individual e colectiva.

“Basta não ter escrúpulos Moraes” morra o Dantas, o Dantas é um paneleiro, o Dantas cheira mal da boca, dizia-nos Almada Negreiros resta-nos a responsabilidade de dizer, O DANTAS era um homem sério, porque dantes havia seriedade e respeitabilidade. O Dantas era um homem a sério, tinha importância vital alguma, como não têm agora milhares e milhares de semi-cidadãos e cidadãs, senão milhões de indivíduos, pessoas que pouco pensam e não pesam na estrutura social, são como lixo nas nossas sarjetas imundas de falsos oradores, adoradores de opiniões rasas, cobradores de promessas num mundo promíscuo, cheio de pragas e reservas ao qual eu me reservo e me tento preservar enquanto me deixarem fazer perguntas difíceis como estas -somos ou não seremos o sonho da matéria – não ter medo da exclusão social numa sociedade de placebos e patetas, não silenciar a liberdade e a responsabilidade de dizer e a levantar questões por alíneas “aos imbecis aos párias aos ascetas aos Lopes aos Peixoto aos Motas os diabos que os levam , os Mattos, os Gaiveus de Albuquerque E TODOS OS DANTAS QUE HOUVER POR AHI!!!!!! ah, E AS CONVICÇÕES URGENTES. Morra o Dantas Pim PAN pum”

Voltando atrás no tempo, muito antes da revista Orfeu, do “manifesto Anti-Dantas” e da critica da razão pura, do antidogmatismo revolucionário e “Coperniano” de I Kant, qual diz que conhecimento não é apenas uma recepção passiva de informação, mas um acto puramente racional de interação e experimentação. Galileu Galilei, ao contrário de Sócrates o qual preferiu morrer para salvar convicções e à posteriori as nossas também, retrata-se desta forma sensata,
“Eppur si muove”,contudo move-se, a minha pátria é a mãe língua e não pretendam que não a utilize, não a mova também desta ou de outra qualquer forma, em liberdade pois, no entanto, ela se move em fase contraria às mentes vigentes, em movimento retrógrado, a contraciclo ….


Álvaro de Campos

As mortes, o ruído, as violações, o sangue, o brilho das baionetas…
Todas estas coisas são uma só coisa e essa coisa sou Eu…

Outubro 20/25

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Jorge Santos /Joel Matos

Salvo erro

 



Salvo erro

Quantos Césares fui nem sei,
Salvo erro mais de cem,
Sonhei-me dono dum Império
E esse ruiu também, furriel

Taberneiro, nos dois ramos
Sempre de baixa magistratura,
Nada que se compare á claro
A monarca do “Reino da Fala”,

Se a memória não me falha,
Estandarte azul particular,
Peculiar o meu caso por rever,
Desamor ao próximo, falo alto,

Vejo o mundo com olhos
De barata gigante, estranha
Ciência, existir que m’esmaga
Sinto a realidade um sonho,

Ou a imaginação cortada
À faca, “half awake half gone”
E até esta me deixou, foi-se
Salvo erro Irlanda,

Onde a dor é bem mais antiga.
Quantos Césares fui nem sei,
Ainda outro dia os contei,
Eram ou foram mais de cem,

Não sei se me alegre,
Ou se me entristeço,
Digo a mim próprio que minto
E essa mentira fica a sós comigo,

No mesmo labirinto, com a mesma
Raiz, o mesmo barro,
Nem por isso menos claro nem
Mais raro, tudo quanto digo

Me diz quem, o que fui desenterrar,
Ironia – como já disse, não leio,
Ouço sem ver, vejo sem ouvir,
Isto salvo erro, sou eu a pensar,

De mim pra mim, comigo.

Joel Matos 25 Outubro 20/25

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No meu espírito chove sempre,




 (Rainer Maria Rilke)



No meu espírito chove sempre,
E justamente como eu quero,
Chuva triste, anónima a chuva,
Anónimo eu, será que existo nela

Ou entre mim e eu, há um fosso
Cavado e eu parado recurvado
Assomo o poço, aceno, sou eu
Por baixo, o rasto da lua cheia

No escuso fundo, meu futuro
Uma nau, pavio apagado, navio
Sem pavilhão nem passado, porto
De abrigo sob estandarte inimigo.

No meu espírito sempre chove,
Chuva forte corpo enlameado, nu
Por fora e por dentro sem vida,
Inda um riso forçado na boca,

Contragosto em forma dúbia,
Indefinido, a ele fiquei preso,
E à dúvida de mim mesmo eu
Ser, quando mordo me belisco

Neste ou num mundo outro,
Onde eu entrei sem ser ouvido,
Ou visto a sair, sem dele sair,
Pois serei quem sempre fui,

Desconhecido justo com’quero
Brisa ou vento, nuvem sobre
A floresta, por debaixo quem
Me lembra acabará esquecendo,

Assim como um caminho rural
Mal calcado se quer esquecido
Por não pertencer a ninguém,
Nem vivalma seguir por ele.

Joel Matos, Junho 2025
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Não fosse eu poesia,




Não fosse eu poesia,
Não valeria nada cá estar,
Ao menos ficasse sozinho,
Sereno como a noite dormindo,

Tranquilo como quieto o mar,
Vindo-me decerto acordar,
Caindo como quem perdido cai,
Perdido como quem se deixa de ver,

Num caminho que nem vem nem vai,
Fosse eu poesia, não seria lugar
Algum mas sim todos e mais um,
Esse inda deserto e por achar,

Soubesse sonhar certo,
Sem dúvida seria eu poeta,
Assim nem poeta nem brisa, vento
Me voo, como vim nem sei,

Minto ao passado pois que ao futuro
Não sei, nem lembro ter tentado,
Tivesse tentado, morreria tentando
Respirar fundo, já eu sem fôlego,

Braços pra nadar, fosse eu ess’outro
Nado morto deitado de borco
À beira rio, na amurada do mar …

Joel Matos 12/08/2025
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Sou homem de pouca fé,




Sou homem de pouca fé,
Até solidário sou com as bestas
Do sagrado pontifício romano,
Assim como do café que tomo

Ou do que como, caso o’spinafre
Seja tenro ou o nabo viçoso e roliço,
Rebento de soja declino, hóstia mal parida …
Não tenho saúde de ferro,

Nem sou monge de santuário, servo
D’sacristia, sacrifico tudo por nada,
Encaro o mundo de forma rara,
Embora curioso, com sabor a nojo

Numa espécie de satanismo
Muito minha, pouco clara a fantasia,
Não sou moderador de almas,
Sou moldado a tudo quanto mais dói,

Ácidos nas veias, solidão negra, vermelho,
Rebelião d’cela sendo únic’o preso, inquilino
Da solitária, embora todas as células
Me gritem monótonas, monocórdias

Desnecessárias, suplico a paz do enxofre
Comigo mesmo e com os anjos negros
Do inferno, escuros os vultos, as trevas.
Partilhamos juntos a infelicidade comum,

A arte do desdém, o ódio franco, terreno
A tudo que seja ingénuo e terno, a inveja,
Tendo en’mim tudo o que é terrível
E humano assim como d’outro plano

O talento supremo, o horror canino e
Messiânico, o Nostradamus Gótico
Animalesca a Gárgula e a origem
De todos os lunares Mitos.

Joel Matos 15 0utubro de 20/25

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Nunca fiz senão sonhar





 Nunca fiz senão sonhar

Nunca fiz senão sonhar eu
Sonhos outros sendo meus,
Que não confio se os sinto
De verdade, ou se serão

Sonhos doutros imaginados
“Eus”, tão fundos e profundos
Quanto meu instinto escombro,
Que longo no longe s’perdeu,

Lembro agora, sinto o hálito,
Coabito um sonho não meu
Em que nem Rei ou Rainha
Sou, nem quem me lembra,

Ouviu falar a mim, o que disse,
Já que não é meu o que digo,
Nem soa ao que sou, sendo
O que não sou, sou-o tod’o tempo,

Nunca fiz senão sonhar eu,
Vivo a sonhar tod’o momento,
Sonhos que não tenho d’verdade,
Realidades, intenções, intentos

Falsos e de farsa, que invento,
Que me calçam e se fundem
À minha imagem, fumaça falsa,
Enchumaço, capa e contracapa,

Palhaço …

Joel Matos 17 outubro de 20/25

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Escrever é pra mim outra coisa




 Escrever é pra mim outra coisa e uma coisa outra qualquer assim como o terror absoluto do qual não se acorda nem nos deixa alerta,

Assim como um esquecimento desconhecido
que se conhece, mesmo que não se queira assumir, desonesto quanto uma medalha que tem dois lados,

Escrever é pra mim,
Todo o mal e toda a cura, a asneira grotesca,
Escrever é para mim uma tesoura dura, o corte e a cesura,
Não é o efémero nem é pura aposta, não dura nem perdura,

Escrever pra mim é o maior mal,
A menor derrota,
A maior paixão e a mais crua agonia,
Ou a pior venérea doença da qual padeço,

Como um mau fármaco que abomino e me mata,
Ao qual volto sempre e torno,
torno a tomar, a hora mais dura na noite escura, no breu,

A cansativa falha de caráter
que desprezo e me empobrece, os olhos da nuca quais não vejo nem esqueço,

Qual feitiço me apodrece a alma,
A farsa que fede grosseira, a voz que não se me cala, o vírus endémico e a cela

E em que vivo ritualmente por viver
e por não ter outra pior coisa, ou angústia mais tétrica na vida

Nem o que fazer ou sentir que mais abomine,
nem mal maior que possa infligir a mim próprio ou exorcismo satânico,

Pântano de aguas podres onde me afogar uma e outra vez,
Num e noutro e outros piores momentos da vida,
E de novo a cada momento
Em que escrevo e me martirizo,

Entristeço por não querer ou não poder mais parar.

Escrever é para mim o “prozac” do desencanto,
o desencontro com a real realidade,

O mau olhado, o receio profundo e factual,
o medo inexplicável do abismo,
a perca da dignidade assumida linha a linha,

O fio da navalho e a feia mão do barbeiro,
o barbante, a corda ou guita,
uma mistura de covardia mística e cedência que ninguém deseja
e faz doer sem queixa ou consolação,

Assim como a mais terrível doença venérea
escrupulosamente catada escarafunchada e esgravatada da mais sórdida
estrumeira humana que se conhece.

Assim é o escrever para mim, o frio da navalha,
o sofrimento pungente dilacerante e em estado puro,

A droga mais dura, a sífilis mais impura,
a prostituta mais suja e reles,
a hora mais negra e escura,
a honra que me falta

E a razão porque não choro nem mesmo perante o erro crasso, o facto de que me acusam em falso, a acha que me queimará vivo e em vida,
o ferro do machado, da hóstia a que me nego,

A guilhotina fatal ou o céu estrelado na sovina noite negra e preta,

Assim como o meu crustáceo ego.

Joel Matos 20 Outubro de 20/25

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Água turva e limpa

 



Água turva e limpa

O peso da consciência me curva,
Parte mística parte física, humana
Profunda, a minha ideia era vivê-la,
E tentei viver nela, infecta, falhado

Vim vê-la, julga-se perfeita, assim
Como julgo meus versos curvados,
Avulsos quebrados, e com os quais
Me satisfaço, disfarço o facho, curvo-

-Me a não ter nada, ser ninguém,
Não ter consciência nem palmas,
Tod’o prazer sendo fingido falso,
Se recurva e me tortura, esfola

Assim a morte a obra morta, rala,
Ralha-me devota a consciência,
Revolta é uma espécie de crença,
Emoção a livre expressão dela,

Assim como também a consciência,
Não fala verdade aceitando igual,
Desdobrando crença paternidade,
É o que eu faço, desdobro-me em

Falsas dignidades embora me julgue
Colosso d’Rodes, guerreio conceitos
Contrários, “frisson” versus desapego,
Separo a luz e a escuridão falhada,

Da ciência do que me vai na curva
Da alma, desta alma turva e limpa,
Que não se contenta em ser “uma”,
S’quer múltipla, ímpia e ela própria

Limpa, muito embora imprópria,
Igual a água suja.

Joel Matos 19 Outubro 20/25

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A morte tempera-se a frio

 


A morte tempera-se a frio

Sou um misto de sensações,

Aquilo que de mim se vai separando,
Não é a vontade pródiga mas algo
Que, sendo humano raso dificilmente
Percebo, facilmente me faz medo,

Parte do que sou é isso, contraditório
Incompreensível até pra mim mesmo,
Assim como que numa República intima,
Que não sendo de verdade é claro,

Claramente sinto perca d’algum pedaço,
Daquilo que é apenas textura, cal
Cimento, pele e osso entre eu e eu,
Parte sólida física e parte mística pura,

Não sendo humano talvez aquilo que sinta
Sinto ser um misto de leais sensações,
Que me completam e relacionam com
O sacerdócio da mortalidade, o caminho

Que me vai separar de mim mesmo,
que não posso quebrar, interromper
No futuro que há de seguir, não me
Faz medo o medo que é meu vizinho

Do lado, há que seguir mesmo sem ver
Deste mundo o mundo enorme, bem maior
Que este, supremo oculto gelado rio, assim
Se tempera o aço numa espada, a frio.

Joel Matos 23 outubro 20/25

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O sonho de Platão ou a justificação do mundo

  O sonho de Platão ou a justificação do mundo A vida completa-se em cada um de nós num breve sonho de conquista, somos o sonho da matéria, ...