Dirijo esta carta a “uma poeta”, ou duas… ou três… (ou todas) e designo-as de poetas como ao feminino de professores e adivinhos chamo de professoras ou de adivinhas, adivinho algumas poetas que partilham do meu subconsciente, delas nascem as minhas mais belas invocações do parecer real.
Possivelmente lembras-te de Psyche ou Annabelle Lee, encontrávamo-nos num jardim perfumado por narcisos e perturbado por sombras sem nome, povoavam os nossos sonhos comuns, uma algaraviada multicolor de místicos míscaros e, não sabendo quais escolher, que não nos provocassem morte imediata, confiávamos cegamente nas negras máscaras, das virgens nuas que se perfilavam nas nossas consciências incomuns.
Foi com um intenso prazer que as li e reli, imediatamente surgiu em mim uma vontade grande de lhes prestar homenagem, pelos seus escritos cheios de sonhos e estética poética, ambos sabemos misturar os sonhos e a vida sem destrinçar qual duma é a realidade e o sonho das outras e então viajamos de uma forma indefinida, dividida entre a noite e o dia, o Sol e a Lua, os canteiros de flores que pisamos, só os trilhamos por não haver outro caminho, nem volta a dar ao jardim da originalidade irreal.
Partilhamos uma gaiola em éter, do Éden e da promiscuidades sem férias e não deixamos de ser escravos de um espaço fechado, só varia o facto d’o pensamento comum cavalgar obstáculos, o que nos distingue doutros pretende ser a originalidades e não a oportuna pertinácia (tão pouco definíveis ambas),
Dizem de quem possui essa ingenuidade, (falando baixinho no barulho da cidade) ter da verdade todos os favores mas na verdade apenas mudam os discursos que debatemos connosco por falta de interlocutor, para alguns estranhamente sinuosos para outros, engenhosos beijos aflorados de palavras e contextualmente exactos.
Sinto um estranho arrepio percorrer-me a pele e os membros a cada segmento de frase nua que leio, como se nem fosse minha e nem concorrente, a corrente de ar parece quasi-perfeita e feita da minha irrealidade virtual, concebo a previsão do impossível e isso faz-me pensar nos que possuem na paz a abstenção de pensar.
A chuva quando caía no cais era de uma obliquidade vertical e contava as viagens de um antigo viajante por mares de antigas terras, dizia chamarem-lhe Ozymandias “Rei dos Reis”, essa narração bastava para que as ondas se metamorfoseassem em dunas e os navios em caravanas, ondulando pelo limite visual do areal e da utopia.
Lembro-me dos teus olhos brilhantes e claros como lagos de água doce onde me banhava nu de preconceitos como antes de viver.
Aí os barcos eram de papel-maché, diferentes dos barcos que do cais via entrar e sair devagar, paquetes abalroados e ferryboats atarefados em não fazer nada, mas parecendo que trabalhavam.
Éramos de uma clarividência quase divina Annabelle, Psyche e eu corríamos, riamos e divagávamos, Ophélia sentada no banco de pedra esperava, …esperava e contemplava o mundo e o vento dizendo-me ao ouvido… viver é preciso, é preciso viver para provar que somos sublimes, a razão é um apêndice alimentado pela vista, há que manter as janelas limpas para apreciar os lírios e os campos, os delírios de cada recanto do jardim das Hespérides.
Nesse tempo trazia dentro do meu coração todas as ilusões do mundo, estava farto de ser órfão de um só Deus e dediquei-me a Pã num mar de outrora dentro dum oceano do rei Salomão.
É um prazer revisitar o mesmo local da minha infância confusa, o natais e os novos tempos também para mim se transformaram uma fonte de frustrações, confusões e outras palavras adicionais terminadas nas tradicionais "traições aos Deuses"
Uma das boas coisas que recebi em toda a minha vida foi o teu apreço, com os teus sempre admiráveis elogios, Lídia (penduro-me neles durante algumas semanas de forma a me sentir fortemente recompensado ou antes, a não me sentir ignorado)
Dizem por aí que não entendem muito bem o meu discurso, eu também não, muitas vezes mudo de sentido porque enquanto redijo, vou interrompendo o curso de pensamento, umas vezes voo roçando pelos atalhos do pensamento outras vezes perco-me porque começo de dia e acabo dois ou três dias ou noites mais tarde,mas noutro universo, não muito paralelo.
O meu muito obrigado Lídia, ainda bem que consigo cativar o teu interesse pela minha escrita à qual me refiro como "poética" mas falta-me inventar um "estilo" menos pessoal, não tanto “Pessoano”, mais meu, escrevo muito ao sabor da conversa mental que debato comigo mesmo e com o Outro eu, pouco impactante mas não somenos importante. Foi a tua capacidade de apreço sem retorno que me influenciou e definiu o fio invisível que segui desde a teia, tu foste a primeira invenção dos meus simples escritos.
Leio pouco mas considero os poetas bons vizinhos, deram-me a conhecer Keats, Shelley, Poe etc, Mas não ponho de parte a ideia de mudar de casa para subúrbios menos nobres; idolatro-os, sim… mas tenho de “pôr os pés à estrada” e encontrar a rua do meu bairro, o meu pessoal labirinto.
Tenho um medo horrível do fracasso, posso falhar já amanhã, poderia ter falhado ontem, não importa quando, sempre tive medo da derrota, talvez por isso esteja aqui sentado no fundo de uma loja ceifando filamentos do nada, entrar nesta casa e fazer todos os dias os mesmos gestos é fácil para mim, fazer diariamente o mesmo trajecto num engenho entre a casa e o simplístico trabalho é a base quase plana para quase tudo o que sou, quem sabe se a minha quase sensibilidade depende da estúpida monotonia e do que leio, e do que quase faça no dia-a-dia.
Ontem estive dialogando literalmente com o meu cabelo, este respondeu com desdém, dizendo:
- Como é possível que não tenhas medo de montanhas, do frio, de te isolares durante semanas a fio, longe de tudo e, no meio da multidão te sintas um atado cidadão, um citadino homem-anão, um homem “mais-que –fugaz” ?
Fiquei sem palavras e lembrei-me d’outro extenso diálogo que mantive enquanto encostava a boca a uma “canilha” de chá-mate e folhas de coca, nos Andes Peruanos sob o suor do sol e das lágrimas circulares da lua.
Disse-me nesse dia o fecho-eclair do casaco de penas que usava sobre o peito contra o frio agreste, disse que eu exagerava nas mensagens para esconder o nada já que ninguém entendia nada e assim não seria necessário esconder o nada e esperava mesmo que jamais entendessem, já que não teria mais nada,mas nada... de meu para proteger por dentro, detrás do fecho.
Para seu bem, por estar frio e por ter abusado do direito de me criticar, tive de fechar imediatamente o fecho do peito e outros.
Continuei depois, conversando com os búzios e fechei os olhos.
Se dirijo esta carta a uma poeta é porque houve um tempo em que a minha janela estava aberta e exclusivamente reservada a elas (poetas), volteavam como se uma fossem, eram mais de dez mariposas e via-as a afastarem-se, devagar…devagar, agora sei que jamais existiu ontem ou amanhã e serei eu que voarei através da alucinante lucidez delas.
Em breve deverá chover.
Joel Matos (01/2011)
http://namastibet.blogspot.com
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