segunda-feira, 6 de agosto de 2018

“From above to below”




“From above to below”



Quando a facilidade de escrever se insubordina, escrevo e escrevo e escrevo; transformo-me em caudilho do que digo, converso conversas sem contexto quando a ocasião não me facilita a escrita, como agora de certeza, nada me ocorre que valha a pena ser escrito ou conversado, nem me convenço do que afirmo ter uma ordem certa, alfabética.
O labirinto é o Fauno e uma única tarefa ou entrada imortal só na alma e na do poeta, o fio da meada.
A fome e a sede são circunstâncias.
Defino-me como a excepção intuitiva, não entendo os outros nem pretendo ser entendido por todos, não ajo nem ando como a maioria das pessoas.
Não me sinto culpado por não me fazer entender, é uma questão de consciência e de princípio não uma tragédia.
A fome e a sede são insignificâncias perante a existência de cada um, mas concorrem e especializaram-se, cada uma à sua forma para o triunfo da mente humana e para que as palavras falem às vezes connosco e as entendamos.
A noção simples de existência é esmagada pela sede e pela fome mais que pela miséria insana, embora sejam uma trindade, uma trilogia, outra palavra em voga e em moda; Já o que me costuma manter vivo é um desejo de comer e beber, absurdo para alguns, para outros, compreensível ou a regra “Sine-Qua-Non”.
Defino-me como a excepção, não pela inteligência ou habilidade, mas pela simplicidade e pela intuição, como água de uma fonte ou um pedaço de pão na mão de um miserável esfomeado mas autêntico guru, assim sou eu e sempre, serão a sede e a fome também autênticas quanto o Jonas e a Baleia. 
Basta-me ver rosas, beber vinho e uma conversa com a cabeça ou o estulto projecto de a manear assim como um mundo.
O vinho ajuda a sanear injustiças e a reparar o esplendor da beleza feminina, uma dádiva da natureza, um requinte, uma arte, um conforto.
Quando a finalidade ao escrever é de desvendar territórios remotos, temos que contar com a nossa competência de aventureiros mas também com a capacidade das lanças hostis, a disciplina de falanges nómadas ou do açoite do deserto na lona das caravanas, a bigorna do sol-rei nas têmporas das hostes guerreiras, os pórticos inúteis no coração da Mongólia guardados por fiéis disciplinados e profecias que a história nega aos de hoje. 
Quando a facilidade de escrever se insurge da rotina dos meus hábitos, surgem-me pensamentos nos nós dos dedos e nos actos mais tacanhos ou mesquinhos, sendo a distracção um contraponto, a abstracção uma costureira e a teia forma o que penso, o fio da meada ou o reverso da moeda.
A bebedeira é um profundo bem-estar e podemos encontrar a nosso carácter atrás dele, em longas taças, em pequenos goles.
Para mim a vista é o julgar que se vê, o crer que se vê sem ver; o paladar, um ritual degustativo, quando chega ao palato o sabor do chocolate derretido na língua assim como o café junto com o açúcar, inseparáveis quanto o charuto dispendioso e o fumador rico, anafado, o sultão de Constantinopla com o séquito do harém, todas com longas tranças e a fumaça das mil e uma noites.
O excesso de recordações é uma contrariedade infinita, torna-me suspeito de incompetência e incapaz de viver “do novo”, sem encontrar soluções no “atrasado”, “From above to below” sujeito apagado e cerimonial do que assumi como sendo igual ou equiparado a genial, sendo absurdo isto tudo, esta ida “non stop”, nesta ideia de vida, “Non invicta Rúmen est”.


-O corte do costume, se faz favor –




-O corte do costume, se faz favor –

“ – É o costume?” – Digo eu, perguntando como sempre faço, embora sem esperar pela resposta, como se fosse um ritual castiço – O costume, se faz favor – é a réplica espontânea, mesmo nas tascas das s’quinas ou no restaurante onde se almoça quase todos os dias do ano e na taberna do copo de três, que infelizmente já não existe ou apenas nas historias do “era uma vez”.
“ – É o costume!” Costuma servir de resposta e é lançado como um dado, prontamente e na primeira frase, depois do cliente sentar lento e logo a seguir ao bom dia ou à boa tarde, ditos como numa praxe que nos habituámos no ocidente.
São fundamentais estas palavras que trocamos com qualquer cliente conhecido numa qualquer e normalizada oficina de barbeiro e também a frase mais comum, rotineira até à exaustão e dita no local onde trabalhamos eu e meu pai desde que me lembro, tenho cinquenta e poucos anos, ele oitenta maduros e muitos mais de sagacidade, a memória mais activa e infinita do mundo, enquanto a minha, a imediata me basta pois é dele, em si mesmo como homem bom, que me lembro desde sempre, do meu atencioso pai, atenciosamente atendendo clientes acostumados à sua cadeira de barbeiro, bem ao lado da minha, apesar de não falamos muito somos “unha com carne” desde sempre; houve um tempo em que eramos três, três cadeiras sendo a do meio pouco usada ou foi usada por um curto espaço de tempo, agora apenas duas, sendo menor o número de clientes “do costume”, menor o vulgar protocolo cliente/ barbeiro-de-bairro. 
Faço a viagem diária do costume, tomo o pequeno-almoço do costume, janto o jantar costumeiro com a família com que costumo sem excepção, partilhar as minhas refeições à beira, os meus humores e as minhas ralações costumeiras, não me costumo desacostumar de um casulo que me proteja do exterior e dos outros, pois tenho sempre os mesmos costumes seja qual for o dia a semana o mês ou o ano, sou um ser naturalmente enfático sem ser autista, assim como qualquer outro normal ser humano de costumes ditos fixos. 
Tenho um cliente autista profundo, com o qual troco apenas meia dúzia de palavras ou nem isso, não costumamos falar demais nem demasiado, nem posso, não exagero no que digo nem quando afirmo serem meia-dúzia as palavras com que conversámos faz até esta data mais de vinte anos, vinte anos em que é e tem sido cliente habitual; fui e sou das poucas pessoas em quem ele confia para trocar certas curtas palavras e para lhe prestar ou proporcionar um serviço mensal ou bimensal dependendo da ápoca dos meses e do anos serem menos quentes, mais húmidos ou mais frios.
Também ele se protege num casulo invisível, indivisível e bidimensional, à sua medida e à do mundo exterior, cria rotinas talvez para subverter a ânsia que é sobreviver numa “super-colectividade” de ansiosos eficientes, não dizemos as palavras da rotina, “é o costume” ou o “está um dia de sol”,” como vai a saúde” etc. Entende-nos o tempo que nos conhecemos, igualmente sem palavras, assim como nós os dois, dirimidos intérpretes, dirimidas actuações sem conversas do – O costume, se faz favor – como sempre, perdurará noutra gente, noutros tempos “como-de-costume”, autistas ou não, pais de filhos, filhos com pais, tal e qual como sempre.
Se faz favor, etc e tal …qual e tal gregos na liturgia papal Romana ou da antiga Pérsia, ainda não Otomana e no sal do mar, que habitualmente sabe muito a peixe.

Joel Matos (2018 Junho)

Toda leveza é possível enquanto dura o voo ...




"Tod'a leveza é possível enquanto dura um voo,
Toda leveza é tão duradoura quando possivelmente não tanto"


Joel Matos

sexta-feira, 8 de junho de 2018

(1820)







1820


O mal deste mundo é nem tudo rodar à volta dele,
Por sinal a mim tudo volta excepto o que mais desejo,
Voltar ao mundo segunda, terceira, quarta vez e sempre,
Por isso escrevo detrás pra frente e não de frente pra trás

Mas sempre contra a rotação do planeta pra ser diferente
De toda a gente na Terra e em tod'a roda desta e sempre
Com a lógica de um relógio de água na metafísica de Escher,
Menos arbitrário o pêndulo que Foucault, e o universo 

Tão mais próximo quanto o supúnhamos longínquo
Ou tão a Norte, o mal deste mundo é nem tudo rodar
À volta dele, de mim tampouco, sou o que sente,
Cumpro o ritual das cearas, Copérnico das velas 

Crescendo, solto no ar o que parece ciência sem ser,
Ninguém me conhece tão mal quanto eu, mesmo
Os meus segredos me metem medo sendo a fingir, 
Tomara este mundo possuísse longas pernas

E umas mãos de metro e meio, pra me segurar eu,
O mal deste mundo é nem tudo rodar como roda
Esta pedra redonda, que é meu coração moinho/nora 
Por isso escrevo detrás pra frente e de frente pra trás ...


(Joel Matos 1820)







Joel Matos (05/2018)
http://joel-matos.blogspot.com


"I can fly"






I can fly …
Luar sem telha, casas sem telhado,
Coração vidraça, prova de mudança
Dentro o meu pensar, total o caos,
Rarefeito ar, meu pensamento hélio, 
Luar sem telha, casa sem telhado,
Rara substância, mudo de ser eu,
Cada noite mais escuro, cada dia
Mais breu, a prova-minha covardia,
Coragem sumida, assumo o luar,
Assomo estrelas quase extintas 
Por decreto, sol morto, labirinto,
Sala de jantar, vinho sem gosto,
Luar sem telha, casa sem telhado,
Partida a taça, hálito é vácuo o resto
É existir como se aqui o além fosse
Fragmento, e o que assomo, lugar
Que ainda preciso pra dispersar
Na morte os membros próximos
Do voar, can I fly, flor d’cimento,
Lugar sem peso, natural o medo,
Voar artificial e falso o que penso, 
Luar sem telha, casa sem telhado,
Asfalto, folha ao vento, façam-me
Estátua vulgar, branco pra ser ave
“I can fly”, imperioso ser-se vento,
Pra que se possa voar í’preso.








Joel Matos (05/2018)




quarta-feira, 23 de maio de 2018

S'isto que tenho dito, fosse verdade ao menos ...







S'isto que tenho dito, ao menos fosse verdade,




S'isto que tenho dito ao menos fosse verdade, pois "de-verdade" nem eu sou, de cortiça antes, de prego, fezes de cavalo são meras frases, ditas por mim "Icónicas", mestiças como todas a partes abaixo da linha de cintura minha o são, chamo-lhe uma corrente de ar ou corda, cabresto, mas simplesmente sou eu o "não" o anão, espalhando-me pelo chão, descrente de pensamentos e expressões, não me fluem com o o equilíbrio e inteligência que usava como o galo do quintal do vizinho para me anunciar num simples poleiro empoleirado a verdade e toda a verdade sobre a existência dele próprio quando canta de galo.

Se fosse de verdade ao menos e o quintal noutro mundo eu deixava acender o restolho e aí as ideias copulavam mas fui varrido pelo desencanto, folha morta no furgão do lixo.

S'isso ao menos fosse verdade, pois se tudo quanto sei e dou me voltou em dobro, era cuspo e culpa por não ter dito, eu que pensava ter da vastidão exéquias recebo feijões anémicos cicuta e terr'inculta.

S'isto fosse um elo real ferro podre ou ralo eu desfilaria através dele até ao esgoto de deus que fede porque ele o criou assim como me fez criado sorridente, escravo de uma necessidade com grades que me segura prende, fede e arde...

Há o Homem que pensa que eu sou esse entre eles, não sou!
Não há meio de pensar que serei o Homem que o pensar soube ser, se Rei ou senhor do mundo, não servente mas hei...de ser sempre e pra sempre delito em gente, prezo tudo quanto sinto e diferente desse outr'homem que'bem sei não ser, sou o genoma do futuro, o cabo do mundo, a verdade não existe nem se comprova.

A varanda é de grades os antípodas e o horizonte tão curto quanto eu para entender as luzes serem eternos sinais com o instinto preso neste quintal suspenso, malditas frases espetadas nestas grades...

Houve um jardim quando não havia regatos e eu me ria nos espaços abertos, meu coração não ouve o tempo misturando-se e a vantagem da angustia não ter fim, assim houve um jardim em mim e meu coração não ouve o fim do fim do mundo, ouve escutando o que pensa ser a capacide de sofrer em fazer e o ser humano fecundo, o universo tudo...a arte é o mundo e a nitidez crescente em mim...a verdade que suporto.

A capacidade de criar torna-me mais intenso, aceso mesmo quando não estou pensando em nada e mais em que tudo é íntimo, quando estudo um modo de dizer que me transcende e aí ouço o passar do tempo como num carrossel acelerado, chamo-lhe ar corrente e ao tempo o intervalo em que disse isto e por isso sei que existo em tudo, nesse momento acordei, acordo e sou tudo, perco-me da visão e a emoção é uma morada semelhante a álgebra numérica magma e espaço, filamentos e galáxias-heras.

Hei-de ser, ouço em mim esse poder de pensar fundo que trago e sigo há séculos e séculos ...um mundo presente aquém e além da minha morte depois, a verdade é isso, intemporal e futuro





Joel Matos (05/2018)
http://joel-matos.blogspot.com


Pena ser levado a sério e ainda...



Tenho a figura imaginada de me pai,
Da minha mãe a atitude espiritual,
A realidade é minha mas não o direito
A ela, pois isso é a coisa mais absurda

Que existe, sob pena de ser tomado
A sério quando falo de mim próprio ou
Sobre mãe pai ou sogros excepto esposa,
-Digo que tenho a figura imaginada 

Do pai-do-céu, não do meu nem a minha,
Qualquer coisa que nem somos nem
sonhamos, amamos nos outros nós-
-Próprios por isso plagiamos pra justificar

Quem somos, eu tenho pena de ser
Levado muito a sério, não o mereço, 
Pretendo que seja tomado como pouco
Sério, tal qual é a ideia que fazem 

De um louco com-um-certo-juízo,
Jamais com o juízo-certo pois até a verdade
É falsa, sou feliz sem entender nada
E a memória se agrafa no corpo dos mortos

Pra que a alma não erre por corpos que não
Conhece a forma certa e a idade,
Sob pena de ser levada a sério também,
Aquilo que não tenho, eu pareço,

Desprezo os outros como um calceteiro
Pisa a pedra no passeio, por instinto
Não por vontade, como quem erra a sorte
Errei eu a vida, pena ser levado a sério ainda,

E ainda ... 







Joel Matos (05/2018)
http://joel-matos.blogspot.com


Pra lá do crepúsculo

Pra lá do crepúsculo Deixei de ser aquele que esperava, Pra ser outro’quele que s’perando Em espera se converteu, alternando Despojo com eng...